Megalopolis é a realização de uma obsessão de décadas, mas o melhor (auto-)retrato de Francis Ford Coppola encontra-se num filme com quase quarenta anos
Acabei de ver Megalópolis e guardei para ler seu texto para depois de ver, achando que seria sobre o filme (risos). Mesmo sem ser, acho que traz alguns pontos para a reflexão deste último e valeu a pena ter lido. Fico no aguardo do texto após você assisti-lo também. Ainda estou digerindo a experiência de Megalópolis, por hora, a única coisa que consigo dizer é que se parece muito com um desfile de escola de samba do Rio de Janeiro.
Também só vi o filme mais de uma semana depois de ter escrito o texto. Gostava muito de ter gostado — até porque muita gente que admiro adora o filme. Mas não consegui. Talvez daqui a uns anos, quando revir o Megalopolis, mude de opinião.
Um dos momentos mais belos do filme vem de uma trucagem (ou efeito especial, tanto faz) à maneira de Méliès, em que vemos a Lua cheia encantadora e, perto dela, uma nuvem simpática, da qual sai um braço que leva a lua embora. Era um sonho.
Enquanto esses espetáculos, fragmentos e remissões se impõem, o filme é invenção o tempo inteiro, e essa invenção é por vezes genial, como o momento em que Coppola divide sua tela em três e, na aba central, introduz um Elvis Presley que parece saído do filme de sua filha Sofia e canta o hino dos EUA.
Chega, porém, o momento em que é preciso desenvolver o "plot", o conflito central, e encaminhá-lo para o final. Ele diz respeito ao amor entre Catilina e Julia e à absoluta repulsa que Cícero, o prefeito e pai dela, tem pela ideia de vê-los juntos.
É o momento em que o filme mais deve ao "Metrópolis". Mas, o que é problema, quando mais perde o interesse. À força de colocar o espetáculo —ou seja, Hollywood— à frente de tudo, Coppola deixou muito em segundo plano a população, os miseráveis da cidade —ao contrário de Fritz Lang— para ficar no triangulo amoroso —que leva a um final meio água com açúcar.
Apesar disso, o essencial dessa empreitada tão grandiosa quanto megalomaníaca é o desejo de tirar o cinema americano da miserável rotina padronizada em que caiu no século 21. A megalomania não é deslocada. Basta ver o plano inicial, quando explode na tela —tem uma força incomum, de mestre inventor e alucinado. Como seu Cesar Catilina.
Estamos diante de uma produção enorme e ambiciosa que, quase certo, vai dar um prejuízo infernal. Imaginamos se no futuro era obra grandiosa será lembrada pela sua magia ou esquecida por fragilidade. Coppola não parece se importar com isso.
Como Marco Aurélio, o imperador romano, ele acredita que sob nossos pés abre-se o abismo infinito do passado e outro abismo, o do futuro, onde tudo some. Em definitivo, aquele cenário de andaimes incertos onde Cesar Catilina pisa, enquanto sonha com a cidade que projetou, não está lá por acaso.
Acabei de ver Megalópolis e guardei para ler seu texto para depois de ver, achando que seria sobre o filme (risos). Mesmo sem ser, acho que traz alguns pontos para a reflexão deste último e valeu a pena ter lido. Fico no aguardo do texto após você assisti-lo também. Ainda estou digerindo a experiência de Megalópolis, por hora, a única coisa que consigo dizer é que se parece muito com um desfile de escola de samba do Rio de Janeiro.
Também só vi o filme mais de uma semana depois de ter escrito o texto. Gostava muito de ter gostado — até porque muita gente que admiro adora o filme. Mas não consegui. Talvez daqui a uns anos, quando revir o Megalopolis, mude de opinião.
Também fui cheio de boa vontade. Talvez melhore na memória, uma vez que Coppola proibiu o streamming, será difícil rever. Parece que essa aposta numa recepção futura foi a intenção dele mesmo. Inácio Iraujo escreveu uma resenha simpática ao filme, que vale a pena ler: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2024/10/megalopolis-tira-cinema-americano-da-sua-rotina-miseravel-com-invencao.shtml
Vou ler.
Trecho final:
Um dos momentos mais belos do filme vem de uma trucagem (ou efeito especial, tanto faz) à maneira de Méliès, em que vemos a Lua cheia encantadora e, perto dela, uma nuvem simpática, da qual sai um braço que leva a lua embora. Era um sonho.
Enquanto esses espetáculos, fragmentos e remissões se impõem, o filme é invenção o tempo inteiro, e essa invenção é por vezes genial, como o momento em que Coppola divide sua tela em três e, na aba central, introduz um Elvis Presley que parece saído do filme de sua filha Sofia e canta o hino dos EUA.
Chega, porém, o momento em que é preciso desenvolver o "plot", o conflito central, e encaminhá-lo para o final. Ele diz respeito ao amor entre Catilina e Julia e à absoluta repulsa que Cícero, o prefeito e pai dela, tem pela ideia de vê-los juntos.
É o momento em que o filme mais deve ao "Metrópolis". Mas, o que é problema, quando mais perde o interesse. À força de colocar o espetáculo —ou seja, Hollywood— à frente de tudo, Coppola deixou muito em segundo plano a população, os miseráveis da cidade —ao contrário de Fritz Lang— para ficar no triangulo amoroso —que leva a um final meio água com açúcar.
Apesar disso, o essencial dessa empreitada tão grandiosa quanto megalomaníaca é o desejo de tirar o cinema americano da miserável rotina padronizada em que caiu no século 21. A megalomania não é deslocada. Basta ver o plano inicial, quando explode na tela —tem uma força incomum, de mestre inventor e alucinado. Como seu Cesar Catilina.
Estamos diante de uma produção enorme e ambiciosa que, quase certo, vai dar um prejuízo infernal. Imaginamos se no futuro era obra grandiosa será lembrada pela sua magia ou esquecida por fragilidade. Coppola não parece se importar com isso.
Como Marco Aurélio, o imperador romano, ele acredita que sob nossos pés abre-se o abismo infinito do passado e outro abismo, o do futuro, onde tudo some. Em definitivo, aquele cenário de andaimes incertos onde Cesar Catilina pisa, enquanto sonha com a cidade que projetou, não está lá por acaso.
P S : Várias pessoas saíram no meio da sessão na sala de cinema.
Maravilha de texto.
Muito obrigado, João.