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Aos dias de hoje, parece tão arcaico, uma relíquia dos primeiros tempos da internet, quando ainda era tudo optimismo e boa-vontade. Quando as pessoas davam, sem pensar muito, o endereço de email a marcas e instituições, ou a perfeitos desconhecidos, para que estes pudessem contactá-los.
O utilizador da internet era menos consumidor (ou mero produto) das redes sociais (ainda incipientes) do que explorador dos diversos tesouros que proliferavam por essa rede fora: os sites pessoais feitos por carolice, em que os autores depositavam o seu conhecimento sobre variados assuntos (música brasileira, desenhos animados, futebol), substituídos depois pelos blogues, que cumpriam basicamente a mesma função (sem necessidade de tantos conhecimentos informáticos).
A época áurea dos blogues — quando se trocavam ideias em longos posts ou comentários, as discussões nem sempre redundavam em insultos pessoais, Mark Fisher dialogava com Simon Reynolds sobre hauntology, e João Pereira Coutinho saía da Coluna Infame incompatibilizado com Pedro Lomba e Pedro Mexia, depois de se chatear com Daniel Oliveira — é uma espécie de «paraíso perdido» da internet.
Ao reler os blogues e sites da altura — de vez em quando ainda espreito o Slipcue ou o Something Old, Nothing New de Jaime W. Weinman (de quem li há pouco tempo o livro Anvils, Mallets & Dynamite* sobre os Looney Tunes) —, dou por mim a tentar seguir os links que por lá encontro, sinto já o futuro prazer da leitura, mas quase todos me levam a páginas não encontradas.
Diz-se que na internet nada se perde, mas isso só se aplica às coisas que gostávamos que desaparecessem. Às outras, que queremos reencontrar, já não temos acesso. Quantas ideias, pensamentos, patetices, curiosidades, anseios e lamentos nunca mais poderão ser lidos, fantasmas digitais que nos assombrarão para sempre?
Por exemplo, já não consigo encontrar o primeiro texto que escrevi na internet. No ano 2000, um conhecido de uma amiga quis começar um site cultural e convidou-nos a nós, estudantes de Comunicação Social, para escrever no dito. O meu primeiro texto na internet foi sobre Songs for Drella de Lou Reed e John Cale, um dos meus álbuns preferidos. Quando fiz o remake do mesmo há uns dez anos, em homenagem a Reed (que acabara de morrer), ainda consegui descobrir o original. Hoje em dia, é tão-só mais uma página não encontrada.
Os meus blogues subsistem por aí, ainda disponíveis. Mas já tive de salvar um de um ataque pirata. O que acontecerá quando eu já não estiver aqui para os proteger? Também este endereço — digasedepassagem.substack.com — será uma página não encontrada (a única possibilidade de o não ser é se ninguém a procurar — o que até é o mais provável). Há alguma beleza nisso: a maior parte das vezes, o leitor tenderá a imaginar os textos como melhores do que aquilo que eram. Conto com isso.
A isto se chama começar pelo fim.
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