As laranjas mecânicas
Uma conversa com António Tadeia sobre os «grandes» derrotados do futebol
Depois das memórias musicais de José Marmeleira, regresso às entrevistas com António Tadeia. O assunto principal da conversa são as selecções que ficaram na história, mas não ganharam nada: Hungria de 1954, Holanda de 1974, Brasil de 1982, Portugal de 2000.
Tadeia, actualmente mais conhecido por comentar os jogos da selecção portuguesa na RTP, é jornalista desportivo há várias décadas, tendo trabalhado no Expresso, no Público e no Record. Hoje em dia, escreve diariamente sobre futebol no seu Substack. De resto, foi dos primeiros jornalistas portugueses a aderir à plataforma.
O cinema dos anos 70, assim como toda a cultura dessa década, é outro dos temas de eleição de António Tadeia. Se a selecção da Holanda do Mundial de 74 é a sua equipa, o filme de Stanley Kubrick que lhe deu a alcunha de «laranja mecânica» também é mencionado na entrevista.

Os «grandes» perdedores
Tirando os clubes portugueses, que equipa te fez apaixonar por futebol?
Apesar de ter sido um bocadinho a posteriori, a minha equipa é a Holanda de 74. Tenho uma coisa pelos anos 70, por causa do cinema e da música. É a minha década. E tinha aquela imagem dos jogadores, que vinha das colecções de cromos, todos com aquelas patilhas à Laranja Mecânica [A Clockwork Orange], do [Stanley] Kubrick. Durante a pandemia, aproveitei para ver os jogos todos do Mundial de 74. Nunca tinha visto. A Holanda de 74 é a equipa que mais me apaixona na história do futebol, que toda a modernidade já está ali: as trocas posicionais, a pressão sem bola. O que na altura se chamou «futebol total» por incapacidade para entender o que estava em causa, porque saía muito do cérebro extremamente avançado do [Johan] Cruyff. O futebol pouco mudou em termos de ideias desde aí. Mudou em termos na performance física e táctica e também na capacidade de interpretação dos jogadores, que estão mais preparados, mais disponíveis.
Não tiveste aquele fascínio, muito comum na tua geração, pelo Brasil de 82?
A equipa do Brasil de 78 não era grande coisa, era meio fraquinha. Mas havia aquela paixão dos portugueses pela selecção do Brasil, até porque nós nunca estávamos. A minha relação com o Brasil é muito marcada por um filme que apareceu nos cinemas, pouco tempo depois do Mundial da Argentina: Copa de 78 — O Poder do Futebol [de Maurício Sherman]. Começa inclusive com ameaças de boicote de uma tropa de guerrilheiros, os Montoneros, contra a ditadura do [Jorge] Videla. Parte da perspectiva de que a Argentina roubou o campeonato, por causa da história dos 6-0 da Argentina ao Peru e da primeira arbitragem do português António Garrido no Argentina-Hungria, em que ele expulsou, salvo erro, dois húngaros. Portanto, no Mundial de 82, estava ansioso para ver o Brasil. Mas aos 12 anos não tinha capacidade para perceber o que aquela equipa jogava. Recordo-me dos primeiros jogos. Contra a União Soviética, contra a Escócia, que o Brasil ganha de virada e com grandes exibições. Só que nesse Mundial estava a torcer pela Alemanha, não me perguntes porquê. Naquela altura, como não havia futebol na televisão com frequência, éramos muito marcados pelas imagens dos cromos. E havia uma colecção do Mundial de 78 em que os jogadores da Alemanha estavam todos em movimento. E aquele equipamento da Alemanha, da Adidas, era maravilhoso. Lembro-me de que na equipa do Brasil as fotografias eram todas cada cor seu paladar. O Francisco Marinho [Chagas] aparecia a tocar violão. Os alemães, não, estavam todos ali com aquele equipamento fantástico. Eram fotografias em acção, maravilhosas. Era mais fácil gostar daquela Alemanha do que gostar daquele Brasil. Não pelo futebol, até porque a Alemanha de 82 não jogava nada, mas fiquei chateado na final por a Itália ter ganhado [contra a Alemanha, 3-1]. Hoje em dia é claro. A gente olha para o Brasil de 82 com olhos de ver e percebe que jogava muito mais do que qualquer outra equipa e também com alguns princípios que fizeram a modernidade — o quadrado do meio-campo é quase uma coisa Dezerbista [do treinador Roberto De Zerbi, actualmente no Marselha].
A velha máxima de que só os vencedores ficam para a história não se aplica à Holanda de 74 ou ao Brasil de 82. Glorificar estes «grandes» perdedores revela uma visão romântica do futebol?
Muito do mito faz-se de terem perdido. Há quem diga que o Brasil de 70 será a melhor selecção de sempre. Tinha quatro números 10 na frente. Como ganhou, não dá para dizer «era tão bom que tivessem ganhado». Já nem vou ao Brasil de 50 [que perdeu o título no último jogo do Mundial, contra o Uruguai, no Estádio do Maracanã, um «escândalo» que ficou conhecido como Maracanaço], mas li muito sobre a Hungria de 54, que faz a primeira revolução táctica do futebol com a inversão do papel do avançado-centro e dos dois interiores e também não ganhou. Depois de ter goleado a Alemanha Federal na fase de grupos, perdeu a final [contra a mesma Alemanha] de forma inglória. O facto de não terem ganhado faz com que sejam ainda mais glorificadas. Não sei se é uma questão romântica, é possível que sim. É possível que seja uma coisa do estilo «estamo-nos nas tintas para os resultados, o que queremos mesmo é maravilhar», mas é claro que queriam ganhar.
Eles têm um grande resultado: infligiram a primeira derrota caseira da Inglaterra, por 6-3…
A Hungria foi a primeira equipa continental a ganhar em Inglaterra. A maior parte das equipas de que estamos a falar deram um passo em frente em termos tácticos. O W-M [táctica idealizada por Herbert Chapman, treinador do Arsenal, nos anos 30 e que ainda vigorava em Inglaterra vinte anos depois] começa a morrer precisamente com a Hungria de 54. O W-M é o W-M, porque o W encaixa no M e o M encaixa no W. E quando o avançado-centro recua para se juntar aos dois médios e os dois interiores avançam, a Hungria passa a jogar em 4-2-4 e lixa completamente o sistema defensivo do adversário. Depois circulava a bola, num jogo muito de passe. Das coisas que mais gosto de fazer no Substack — e que tive de interromper, porque não tenho tido muito tempo — é a história detalhada dos campeonatos em Portugal. Já fiz desde o de 1922 até ao de 1940. Há histórias maravilhosas do futebol durante a Segunda Guerra Mundial. Na alturta, existia muito a diferença entre o jogo mais directo e aquilo que eles chamavam o jogo de passe, o jogo à húngara. Que tinha muito que ver com a tradição centro-europeia, de que é exemplo o Wunderteam da Áustria, que acabou com o Anschluss [a anexação por parte da Alemanha em 1938]: muitos jogadores dessa equipa austríaca foram integrados na selecção da Alemanha nazi.
Essas equipas só são lembradas por serem inovadoras?
Há uma revolução táctica, mas também de estilo de jogo. A Holanda de 74 tem tudo. Para já, a pressão sem bola. Na altura, nem os treinadores sabiam bem como é que os adversários jogavam, não havia capacidade para observar adversários como há hoje. O primeiro jogo da Holanda desse campeonato do mundo é contra o Uruguai. Há um lance em que a bola vem para trás, para um defesa uruguaio. Este começa a ver os holandeses a correrem contra ele e percebe-se que o homem fica em pânico, sem saber o que fazer. A Holanda fazia uma pressão com dois tipos em cima do portador da bola, que deixava os adversários sem capacidade para pensar. E depois a atacar faziam trocas posicionais. Eles jogavam de base em 4-3-3, mas o central direito, que era o [Wim] Rijsbergen, em posse encostava à direita para fazer de lateral. O que permitia que o lateral, [Wim] Suurbier, subisse para jogar como extremo. O que permitia ao extremo, o Johnny Rep, jogar no meio. O que permitia ao avançado-centro, que era o Cruyff, baixar para coordenar tudo a meio-campo. Depois havia as diagonais do [Ruud] Krol, o defesa esquerdo, para a zona do meio-campo também. Era uma equipa muito moderna nesse aspecto. Até o próprio Brasil de 82. Podemos dizer que vivia muito da arte do Sócrates, do Zico, do Éder, mas já tinha muito do que se faz hoje em dia. Por exemplo, o facto de ser uma equipa assimétrica, em que o defesa direito atacava pela ala e o defesa esquerdo atacava por dentro. Depois, formava o quadrado a meio-campo com o Falcão e o Cerezo e depois o Zico e o Sócrates. É o quadrado que o De Zerbi faz hoje, para dominar a posse em meio-campo ofensivo. E à esquerda estava o Éder aberto. Havia um boneco do Jô Soares na altura, o Zé da Galera, que tinha sempre a mesma punchline: «Onde é que está o ponta?» Não havia ponta direita, esse trabalho era feito pelo lateral. Eram já equipas tacticamente muito evoluídas. Não era só arte, havia muita capacidade de leitura táctica dos jogos. A equipa da Holanda de 74 tinha o Cruyff, e o [Johan] Neeskens também era um grande jogador, mas o resto eram jogadores úteis, sobretudo muito inteligentes. Tanto que em 78 a Holanda vai sem o Cruyff e a equipa acaba por chegar à final outra vez e se tivesse ganhado não ficava mal entregue. Não vou ser o chato que diz «não, aquilo era tudo táctica». É claro que não. Então no Brasil há muita arte, há muitos jogadores na selecção dos melhores de sempre, sem dúvida nenhuma. Na Holanda, se calhar menos. O Mundial de 74 é fascinante também pelo confronto entre escolas. A Alemanha ainda jogava muito à antiga, com marcações individuais. Às vezes quase com três centrais, porque o Berti Vogts, o defesa direito, fechava muito dentro e marcava individualmente o melhor jogador do adversário. O [Franz] Beckenbauer fazia de líbero solto, só para construir. Defender, não sabia.
Guardiola vs. Mourinho (ou Menottismo contra Billardismo)
Apesar de a Holanda de 74 ser a tua equipa, tenho ideia de que não és fã de [Pep] Guardiola, que é o grande seguidor das ideias dessa selecção.
Não sou um guardiolista fanático, mas o Guardiola é claramente o treinador mais marcante do século XXI. Não vou sequer naquela ideia de que teve uma equipa maravilhosa no Barcelona e agora no [Manchester] City só ganha porque tem muito dinheiro para gastar. Ele trouxe conceitos muito inovadores para o futebol. Mas não vejo assim uma ligação tão directa entre o Cruyff e ele. Há coisas que fazem ao contrário. Aquele Barcelona era a sublimação máxima da qualidade. Havia o Xavi, o [Andrés] Iniesta, o [Lionel] Messi, o [Sergio] Busquets. Mas então e a selecção espanhola de 2008 e 2010? Era uma seca. Aquele tiki-taka sem o Messi é um futebol muito circular, pouco objectivo. Mas distingo entre aquilo que me interessa ver enquanto espectáculo e a eficácia da ideia. A Espanha ganhou o Mundial de 2010 e os Europeus de 2008 e 2012.
Fui buscar este assunto por haver aquela divisão entre Guardiola e [José] Mourinho por volta de 2010. Que lembra a distinção na Argentina entre o futebol mais defensivo de Carlos Billardo e o mais bonito de César Menotti. E o que é engraçado é que ambos ganharam Mundiais.
A distinção na Argentina até é política. O futebol de esquerda [de Menotti] e o de direita [de Billardo]. E é curioso que o Menotti tenha conseguido ser o seleccionador no período mais negro da política argentina e de contribuir de certa forma para escamoteá-lo. Não te sei dizer com certeza absoluta, mas acho que uma das prisões era muito perto do [Estádio] Monumental de Buenos Aires. Os próprios prisioneiros enquanto estavam encarcerados nos calabouços ouviam o bruá do estádio. Era um bocadinho a Fátima, o futebol e o fado dos argentinos. No tal Copa de 78, o que fica são as cavalgadas do [Daniel] Bertoni, do [Leopoldo] Luque, aquela equipa era muito física, muito da garra, até o [Diego Armando] Maradona ficou de fora, o inverso da imagem do Menotti. E a equipa do Billardo... Eu costumo fazer o exercício: «Quantos jogadores campeões do mundo de 86 é que as pessoas se lembram?»
O [Jorge] Valdano era dessa equipa, não era?
Era. Aliás, o Valdano descreveu com piada o golo em que o Maradona finta toda a gente da equipa de Inglaterra. Ele estava lá e dizia «passa, passa, passa» e o Maradona nunca passou. E ainda bem, porque se tivesse passado, provavelmente a jogada não teria ficado no folclore do futebol mundial. O Menotti e o Billardo chegaram a ser amigos, mas separaram-se de forma radical.
Depois existe uma reedição do pragmatismo contra a beleza com o Guardiola e o Mourinho.
A beleza do Guardiola é pragmática. Hoje em dia não podes não ser pragmático. Acho muita piada àquela malta que diz que é a poesia do futebol. Não há futebol poético. O futebol é para ganhar. Depois há maneiras mais estéticas e menos estéticas de o fazer. É um bocado como gostares mais de impressionistas. Olhas para uma tela e gostas, olhas para outra e não gostas. Não há nenhum treinador que vá montar uma equipa para fazer um futebol estético. O Guardiola é um tipo que se arranha todo se não ganha. O Mourinho do início, de 2003, é super ofensivo.
O Porto jogava bem. O primeiro Chelsea também.
O primeiro Chelsea já era uma equipa muito marcada pelo rigor.
Era uma equipa de ataque rápido, mas não praticava um futebol feio.
Não há nada de feio no ataque rápido. A mim aborrece-me fazeres mil e cem passes num jogo e não ires para a baliza.
O Benfica do [Jorge] Jesus era uma equipa de ataque rápido e toda a gente se maravilhava com aquele futebol.
Curiosamente, o [Ruben] Amorim no Sporting faz um trajecto interessante nesse aspecto. A primeira equipa campeã é de bloco baixo e ataque rápido e a última equipa campeã já é uma equipa de posse. Ele conseguiu fazer essa transposição. Precisou de perder pelo caminho, mas conseguiu fazê-lo.
A geração perdida
Nós tivemos a Geração de Ouro — de Rui Costa, Luís Figo, João Pinto, Paulo Sousa — que não ganhou nada no futebol sénior.
Quando vamos a primeira vez a uma fase final com a chamada Geração de Ouro, em 96, há um texto do Valdano — e nós ainda éramos um bocadinho o Portugal do Eça, em que sempre que alguém falava de nós lá fora ficávamos maravilhados — em que ele diz que se alguém quisesse saber o que era jogar bem bastava pôr os olhos em Portugal. Fiz esse campeonato da Europa pelo Público com o Manuel Queirós e o Manuel sintetizou muito bem o que era a selecção: uma equipa de bilhar livre. Não era uma equipa de snooker, nem de pool, era de bilhar livre. Muitas tabelas, mas não havia buracos onde pôr a bola. A gente não tinha quem fizesse golos. A verdade é essa. Mas se calhar se tivéssemos um avançado, um Terminator, tínhamos de tirar um dos elementos que criavam a teia que enredava os adversários. Nada disto é absolutamente líquido. Mas a equipa portuguesa que mais prazer me deu foi a de 2000. Acho que aí fomos um bocadinho prejudicados pela falta de um treinador que fosse capaz de...
Eles jogavam da maneira que queriam.
O Humberto Coelho limitava-se a gerir o grupo. E isso tê-lo-á feito bem. Mas pensámos curto na meia-final com a França. A França era uma grande equipa…
Talvez fosse a única equipa melhor do que nós.
Mas a França de 2016 também era melhor do que nós. E, no entanto, ganhámos.
E a diferença se calhar até era maior.
Muito provavelmente, porque eles eram muito bons e nós, em 2016, não tínhamos grande equipa. Aliás, é curioso: Portugal ganha quando sai o melhor jogador. O [Cristiano] Ronaldo causava alguma entropia táctica que a equipa tinha dificuldade em resolver. E quando ele sai, a equipa tem mais facilidade em jogar num 4-3-3. Portugal viveu nessa altura um problema — o que fazer com o Cristiano. Ele gostava de jogar a partir da esquerda. Em 2014, o grande drama do Paulo Bento era como é que ia aguentar um tipo que para render mais no plano ofensivo tinha de jogar como extremo esquerdo, mas depois em transição defensiva nunca lá estava. Era o João Moutinho que tinha de fazer essa dupla missão de ser médio-centro com bola e médio-esquerdo sem bola. Em 2016, o Fernando Santos dá a volta à coisa, mudando para 4-4-2, em que os pontas-de-lança eram o Cristiano e o Nani. O Cristiano não gostava de lá estar e o Nani não era jogador para aquilo.
O Ronaldo marcava 50 golos por época.
Marcava muitos golos, mas não a jogar assim, como avançado de referência. Para jogares com aqueles dois, não podias jogar com um extremo declarado. Então, tinhas aquele meio-campo muito de equilíbrio, em que entrava o Renato [Sanches], o William [Carvalho], o João Mário. O [Ricardo] Quaresma entrava vindo do banco. Não podia jogar de início.
De volta aos anos 70
Agora uma pergunta sobre cinema. Quando fazes os teus vídeos, vê-se sempre o poster do Apocalypse Now atrás de ti.
Quando me perguntam qual é o filme da minha vida, vou variando, mas o que respondo mais vezes é Apocalypse Now.
Gostava de saber o que pensas. É curioso que também é sobre uma grande derrota, a primeira derrota militar dos EUA.
O filme não é tanto sobre a derrota. É muito sobre o estado de psicose colectiva que afectou os Estados Unidos. Sobre o pesadelo que é verdadeiramente a guerra. Desde a alienação total que está à vista logo na cena inicial do Martin Sheen que se corta todo. Depois vi o Hearts of Darkness [documentário sobre a realização de Apocalypse Now]. E toda aquela história me fascina. O cinema nos anos 70, a cultura dos anos 70. Sou um ávido consumidor de tudo o que tenha que ver com aquele ambiente. Não vivi os anos 70 verdadeiramente. Sou de 1970, portanto era muito miúdo. Lembro-me perfeitamente do dia em que o Apocalypse Now se estreou cá em Portugal. Não me deixaram ir ver. Os meus primos eram mais velhos do que eu e foram. Meteram-me imenso medo, disseram-me que havia uma cena com esqueletos. [Risos] A versão longa, com as cenas na plantação francesa e a cena das bunnies da Playboy, permite-me perceber a complexidade geo-política daquela guerra. Os franceses perdem a Indochina, mas continuam lá e estão completamente alienados da realidade. Os americanos perdem o Vietname, mas perdem-se a eles próprios antes de perderem a guerra. E, no entanto, aquilo continuava a servir para alimentar narrativas.
Não há grandes filmes sobre futebol.
Eu não conheço nenhum. Teria de citar o Fuga para a Vitória [Victory], do John Huston, mas acho que o próprio John Huston teria vergonha de dizer que fez o filme.
Existem os documentários.
Isso é para quem tem paciência para ver os documentários da Netflix e da Amazon. Acho que aquilo é tudo feito. O entretenimento é ver o jogo em si, não os bastidores. O Ted Lasso [série de comédia da Amazon Prime] sempre dá para rir um bocadinho. A primeira temporada vale muito a pena. Mas não há muito mais coisas à volta do futebol. Há esse filme do Mundial de 78.
Algumas sugestões
Para quem se interessa por questões tácticas e pela sua evolução ao longo da história do futebol, não conheço livro melhor do que Inverting the Pyramid, de Jonathan Wilson. Existe uma versão portuguesa, intitulada A Pirâmide Invertida.
O jornalista inglês também escreveu Names Heard Long Ago, sobre a geração da Hungria que perdeu a final do Mundial de 54, onde pontificava Ferenc Puskás, futuro jogador do Real Madrid (e de Espanha).
Uma das «personagens» principais de ambos os livros é Béla Guttmann, que veio da tradição austro-húngara para revolucionar o futebol brasileiro (no São Paulo) e o português (no Porto e, principalmente, no Benfica).
Sobre o futebol holandês ou, melhor, sobre a cultura que permitiu o desenvolvimento do futebol holandês, existe outro excelente livro: Brilliant Orange, de David Winner, um inglês tão cruyffista que ficou chateado pela maneira agressiva de a Holanda jogar na final do Mundial de 2010.
Copa de 78 — O Poder do Futebol, de Maurício Sherman, que António Tadeia recorda com saudade — e começa com uma cena de thriller, com dois vultos a passearem-se pelo nevoeiro nocturno —, pode ser visto aqui.
Se tiverem outras recomendações de livros e documentários sobre estas selecções ou sobre futebol em geral, sou todo-ouvidos.
Por hoje é tudo. As palavras são minhas (e, esta semana, do António Tadeia). A revisão é da Beatriz Marques Morais.
No domingo que vem, farei uma pequena homenagem a Jorge Silva Melo, a propósito do terceiro aniversário da sua morte, pegando na última peça que encenou: Design for Living, de Noël Coward.
Tenham uma boa semana. Até ao próximo Diga-se de Passagem.
Não sou mega fã de futebol mas gostei muito desta publicação/conversa!
E nem quero acreditar que já faz três anos da morte do grande Jorge Silva Melo!